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A arte e a cultura de rua paulistana

  • Foto do escritor: Jessica Epifanio
    Jessica Epifanio
  • 23 de jun. de 2020
  • 7 min de leitura

Atualizado: 24 de jun. de 2020

Com mais de 12 milhões de habitantes, São Paulo destaca-se por sua cultura e, em especial a que vem das ruas

Por Jessica Epifanio


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Um adendo a cultura paulistana

A cidade de São Paulo dispensa apresentações formais. São pouco mais de 12 milhões de pessoas andando pelos 1.521,1 km² daquele que é o principal centro financeiro da América do Sul.

​ Essa terra que transborda gente é fruto da influência de diversos grupos de imigrantes, em especial de portugueses, japoneses, italianos, espanhóis e principalmente dos migrantes nordestinos. Esse mix de influências resultou numa cultura eclética que transformou a cidade no maior centro cultural do país, onde são sediados festivais, feiras e os principais eventos culturais do país.

​ A capital dispõe de centros culturais e de lazer, museus, cinemas, bibliotecas, teatros e fábricas de cultura, como mostra o gráfico abaixo.

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Gráfico por Jessica Epifanio

Mas nem tudo são flores na capital paulista. A abundância de espaços culturais, não significa que os mesmos estejam dispostos por toda a cidade. Segundo pesquisa realizada pela Rede Nossa São Paulo, no início de 2019, a maior parte dos chamados equipamentos culturais estão nos bairros do Butantã, Consolação, Lapa, Liberdade, Moema, Pinheiros, Tatuapé e Vila Mariana, ou seja, em regiões centrais da cidade onde, em geral, residem pessoas de maior poder aquisitivo.


Ainda segundo a pesquisa, cinco distritos na capital não possuem museus, cinemas, teatros ou centros culturais, são eles: Marsilac e Cidade Ademar, na zona sul; Ponte Rasa e Vila Matilde, na zona leste; e Vila Medeiros na zona norte.


Para a estudante de publicidade, Tandara Lira, que reside na zona leste de São Paulo, a desproporcionalidade na distribuição de espaços culturais pela capital, é um fator que acaba por impedir que grande parte da população tenha acesso à cultura. “Museus, teatros e galerias se concentram no centro da cidade. Para consumir esse tipo de atividade, eu preciso gastar bastante dinheiro com transporte, comida e acesso. Vejo essa distância como algo desmotivador e segregacional. É possível ver essa distribuição desproporcional na Virada Cultural, o maior evento de cultura da cidade se concentra apenas em uma região”, afirma.


Outro dado alarmante sobre a cultura paulistana, é que independente de sua localização, 28% da população, cerca de 2,7 milhões de paulistanos, nunca frequentaram qualquer centro de cultura. Os números entre os que frequentam, apontam uma preferência para atividades consideradas culturais de massa, como cinema (55%) e shows (30%).


Na visão da estudante de jornalismo, Carolina Messias, a cultura de São Paulo é mascarada com uma inacessibilidade para aqueles que não possuem bagagem cultual, em outras palavras, a impressão de somente pessoas ricas podem consumi-la. “Não digo que essa é uma vertente ruim da cultura, mas em sua maioria, não representa minha realidade. É algo bonito, encantador, transcende o imaginário, entretanto, não me sinto representada. O oposto acontece em eventos da periferia, por nascer e viver em uma até hoje, me sinto retratada em sua grande maioria”, aponta.


A socióloga Giulia Michelon afirma que tratar da cultura, principalmente nas regiões periféricas é um desafio para os atuais governos e que isso transcende até para a cultura de rua. “É importante que seja promovido o debate sobre a promoção da cultura periférica e a de rua, visto que, atualmente, grande parcela da população consome esses tipos de cultura, que têm se misturado e saído de suas zonas de conforto para quebrar o preconceito e dizer que na periferia também tem um grande potencial produtor e consumidor de cultura. Hoje, suponho, que a cultura de São Paulo tem um grande potencial na cultura urbana com grande potencial de identidade da cidade”.

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Cultura das ruas, dos metrôs e dos criativos

Diferentemente dos outros instrumentos culturais, a cultura de rua não precisa de tempo, espaço ou momento. Ela só precisa da “rua” e um pouco de atenção para acontecer. Na vastidão cultural da capital paulista, existem pessoas que trabalham com a música, artesanato, grafite, dança, poesias entre outros, e usam deste instrumento para alcançar seus objetivos.


A ideia central desse movimento é justamente sair dos lugares que são definidos como “lugares de arte” (cinemas, bibliotecas, museus e teatros), para dar visibilidade ao talento e criatividade da arte cotidiana que se torna acessível e espalhada pela cidade. “A arte urbana tem crescido bastante nos últimos tempos, e passa a ter um valor cultural de peso e vem das minorias que anseiam em mostrar sua arte, seu lugar de origem de maneira acessível”, afirma Giulia Michelon.


Os registros desse tipo de cultura e arte de rua vêm desde a Grécia pré-socrática, em que os aedos homéricos (cantores) declamavam seus versos e cantavam pelas ruas. O repertório era vasto de cânticos e poemas sobre suas tradições e lendas. Em meados do século XII, considerada Idade Média, pela até então inexistência de prensas tipográficas, poemas literários eram declamados em praças públicas.

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A mais conhecida avenida de São Paulo, a Paulista, passou a ser aberta ao público aos domingos e feriados, desde junho de 2016. A via que já era conhecida pelos pontos turísticos e sua arte, ganhou ainda mais artistas de rua, que veem a oportunidade de mostrar seu talento ganhando um dinheiro extra ou mesmo o meio de subsistência.

​ Maya Fernandes é turista espanhola, e vem para São Paulo todos os anos visitar a família do marido. Para ela, a cultura de rua paulistana é algo peculiar que nunca viu em nenhuma outra cidade dos países que visitou. “É divertido, porque você vê que as pessoas realmente se dedicam para isso. Tem até no metrô! Mas sinto que as pessoas daqui olham torto para esse tipo de arte, ao contrário das pessoas que vem de fora e que acham acessível ver vários estilos de arte enquanto anda pela cidade”, diz entusiasmada.

​ Mas engana-se quem pensa que a cultura de rua limita-se aos quase 3 km de avenida Paulista. Apesar de ser o point dos artistas, muitos artistas ainda usam seu lugar de origem para divulgar seu trabalho. A periferia ganha cada vez mais cor e mais cultura, com saraus, exposições de grafite, shows de artistas independentes, rodas de dança e tudo aquilo que for cultural.

​ O transporte da cidade também ganha vida quando os artistas resolvem se apresentar por lá. “Já vi um cara conseguir dar um mortal com o metro em movimento, além de talentos que mudaram de estado só para promover seu trabalho nas ruas de São Paulo”, afirma Tandara Lira. Confira agora alguns dos artistas da cidade.


Iommi Edgar de Souza Lopez - @degografit O grafiteiro Iommi, ou mais conhecido como Dego, traz o talento no sangue. O dom do desenho veio do pai, e inspirado pelo irmão mais velho, Iommi criou um personagem que chama de “Selvagens”, seres zoomórficos com corpo de criança negra e cabaça de animal, que sinaliza um trabalho sócio racial e cultural onde o intuito é trazer questionamentos.

​ A maior parte do trabalho do artista é feito nas favelas. Para ele, além de ser um sustento de uma família, o grafite é um infinito de possibilidades, uma liberdade. “O maior desafio é romper com essa ideia de que o grafiteiro só é grafiteiro. Falta valorização da nossa arte. Ser tratado com seriedade, sabe? Nós estudamos e nos dedicamos muito para ser só uma arte de rua sem valor”, pontua. 

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Jerry Batista da Cunha - @jerrybatista_art Jerry grafita desde 1996. O talento? Ah, esse vem desde criança, quando desenhava nos papeis e sobrava até para as carteiras escolares. O trabalho do artista se concentra no conceito de memórias, onde os desenhos representam suas lembranças e de pessoas com as quais ele conviveu e ainda convive.  Sua arte está onde ele está, espalhada pela cidade.


Para o grafiteiro, São Paulo tem uma identidade e é conhecida mundialmente, tanto pelo grafite quanto pela arte urbana. “A cultura é conectada com a alma do ser humano. Você pode jogar seis pessoas numa ilha deserta que elas vão desenvolver cultura. Então a cultura é importante não só pra a sociedade viver em harmonia mas pra mostrar pro resto do mundo que é você, o que você gosta, o que você come, afinal o que a gente conhece das outras culturas é a arte delas”, afirma Jerry.

​ Ainda segundo o artista, o maior desafio de ser grafiteiro em São Paulo são leis. “Tem época que está autorizado pintar na cidade e tem época que não está. Quando não está autorizado como agora, se você “rodar” tem que pagar 5 mil reais de multa”.

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Luana Costa Melian - @luanacmelian Fugindo um pouquinho das ruas, você encontra Luana Melian. A artista de 20 anos faz bordados e ilustrações em aquarela. O gosto “pela coisa” começou desde a infância, mas foi na faculdade que aprendeu bordar e achou mais divertido que só lápis e papel. 

​ Luana já expôs e vendeu sua arte em feiras, mas conta que devido à dificuldade imposta para entrar nesses eventos, acaba por divulgar seus trabalhos pelas redes sociais.

​ Além de artista, Luana é consumidora de cultura urbana, e explica que a cultura de conta a história de uma sociedade, seus valores e noções morais e éticas. “A cultura de rua, além de tudo isso, fala muito sobre política, de um modo acessível à todos. Enquanto cada cultura conversa com pessoa de uma tribo especifica, a cultura de rua conversa com todos que passam por ela. Em uma cidade como São Paulo isto é muito importante, porque apesar de aqui ter muitos espaços culturais, a arte é muito excludente”.

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Screw Band - @screwband

Peter Hossell na voz e gaita, Ziggy na guitarra, Antônio Castro Jr. No baixo e Alex AC  na bateria formam a Screw Band. A banda começou em 2011, com Ziggy e Peter fazendo apresentações acústicas em bares da capital paulista. Logo, Castro e Alex  se juntaram ao time de apaixonado por blues e inspirados por Muddy Waters, Howlin Wolf, Freddir King, Stones e vários outros. O vocalista Peter é inglês, e chegou a abrir o show do Rolling Stones no Hyde Park, em Londres.


A banda toca em pubs e na avenida Paulista, e é claro, onde chamar. Em entrevista, Ziggy afirma ser emocionante tocar na rua, alcançando um público que geralmente não frequenta os bares em que tocam. “A vibe é diferente, as pessoas param ali exclusivamente pra te ouvir, em bares muitas vezes as pessoas estão ali por estar. Fora que tocar na rua acaba atingindo muito mais público [...] Desde o morador de rua, engravatado de classe alta, crianças e idosos, todos juntos na mesma vibração”.


O integrante ainda afirma que a cultura é essencial para o ser humano, e é através dela que o ser encontra afinidades no outro, socializando-se e criando grupos. “Não existe quem não goste de arte. Até os que dizem que não ligam, não vivem sem ver um filme, assistir uma novela, ou mesmo uma musiquinha ambiente qualquer”, afirma Ziggy.

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Confira mais trabalhos dos artistas:



 
 
 

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